As discussões acerca do uso, transporte, difusão e proteção dos conhecimentos, saberes tradicionais e recursos genéticos relacionados à ayahuasca vem se intensificando desde o ano de 2015 através de articulações e debates iniciados e protagonizados por povos indígenas do Acre e, posteriormente, em conjunto com demais povos originários das Américas que fazem uso tradicional desta medicina. O uso ritualístico e ancestral da ayahuasca configura a base tradicional dos trabalhos espirituais e medicinais de muitos povos originários, sendo esta bebida de extrema importância para a prática de rituais e para a perpetuação de saberes e conhecimentos ancestrais desses povos para as gerações atuais e futuras.
A proposta de realização da primeira conferência indígena para discutir assuntos relacionados à ayahuasca foi uma reação ao movimento acadêmico que trazia para si o protagonismo quase exclusivo das discussões, não havendo, portanto, espaço reconhecido e valorizado para as vozes dos líderes espirituais indígenas, ficando estes relegados, quando muito, a momentos de participação durante poucos minutos, ficando sem espaço adequado para compartilhar seus saberes, reflexões e contribuições nos eventos.
Apesar dessa participação pouco efetiva de indígenas, estes eventos reforçaram a necessidade de reflexões mais aprofundadas sobre as formas de proteção dos saberes tradicionais relacionados a essa medicina, levando em consideração principalmente o protagonismo e a ótica indígena, conforme consta na “Carta Aberta dos Povos Indígenas do Acre sobre a Conferência Mundial da Ayahuasca”, escrita em 2016 durante a “II Conferência Mundial da Ayahuasca”, realizada pelo ICEERS (International Center for Ethnobotanical Education, Research & Service), na cidade de Rio Branco – Acre (anexada neste site).
A importância do protagonismo dos povos indígenas nessa discussão foi defendida publicamente pela liderança do povo Ashaninka, Benki Piyãko. Esse posicionamento foi compartilhado e assumido por Biraci Nixiwaka Yawanawa e Joel Dëvakï Puyanawa que, junto a outros grandes líderes espirituais como Ninawa Pai da Mata Huni Kuin, refletiram sobre a necessidade de haver um espaço de discussão onde o protagonismo fosse exclusivo dos povos indígenas, através das vozes dos seus líderes espirituais. Essa proposta foi apresentada por Benki em dezembro de 2016, durante a Assembleia das Organizações Indígenas: OPITAR (Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá), OPIRE (Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira) e OPIRJ (Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá).
Após deliberação, representantes das comunidades indígenas apresentaram a demanda de ser estabelecido um espaço de diálogo sobre o assunto. Definiu-se, então, pela realização de um evento anual que seria o espaço oficial de discussão sobre as questões relacionadas à ayahuasca, um local de governança indígena, que foi iniciado em dezembro de 2017. O formato escolhido foi o de ‘conferência’ e, com base nisso, batizou-se o evento como “Conferência Indígena da Ayahuasca”.
As duas primeiras conferências, em 2017 e 2018, realizadas na sede da terra do povo Puyanawa, em Mâncio Lima/AC, alcançaram um nível espetacular de participação de indígenas e demais interessados nessa temática. A relevância desse debate, conduzido pelos líderes espirituais indígenas e com participação de parceiros não indígenas, suscitou o interesse de diversas camadas da sociedade, aglutinando, em cada evento, participantes de diversos países, além de diversas instituições públicas brasileiras e organizações da sociedade civil, nacionais e internacionais. Registrou-se a presença de magistrados da justiça federal brasileira, dando ao evento um cunho jurídico importantíssimo para as reivindicações e temas discutidos.
Em 2019 e 2022 ocorreram as edições seguintes do evento, na sede do Instituto Yorenka Tasorentsi (IYT), em Marechal Thaumaturgo/AC, presidido por Benki Piyãko, contando com a participação, juntando os dois eventos, de mais de trezentos representantes dos povos indígenas do Acre, bem como do estado do Amazonas, São Paulo, Paraíba, Paraná, Roraima e Minas Gerais, além de países como o Peru, Colômbia, Equador, México e Canadá. Na quarta conferência estiveram presentes os povos: Apolima-Arara, Huni Kuĩ, Jaminawa-Arara, Kuntanawa, Nawa, Noke Koi, Nukini, Puyanawa, Shanenawa, Shawãdawa, Yawanawá, Apurinã (Pupykary), Manchineri, Ashaninka, Ashaninka del Alto Perene, Yanesha del Puerto Yunnako, Nomatsiguenka, Ashaninka y Machiguenga del Rio Apurimac-Cusco, Yaminawa, Marubo, Yepá Mahsã-Tukano, Anishinaabe, Arhuaco, Tubú Hʉmmʉrimasa, Inga/Union de Médicos Indígenas Yageceros de la Amazonia Colombiana (UMIYAC), Kichwa de Sarayaku, Kofan, Jiaki, Wixárika, Potiguara, Omágua Kambeba, Shipibo-Konibo, Yanomami, Guarani Mbyá e Siona.
O evento contou, ainda, com a participação de diversas instituições nacionais e internacionais, autoridades políticas, pesquisadores e parceiros diversos. Mais de seiscentos participantes estiveram presentes nas duas últimas edições.
As temáticas discutidas em 2022 aprofundaram assuntos que já vinham sendo debatidos desde a primeira conferência, acrescidos de outros que contribuíram para as excelentes reflexões realizadas ao longo do evento. As experiências apresentadas por cada povo indígena apontaram uma variedade de caminhos para lidar com questões diversas e muitas vezes comuns, o que demonstra a importância desse espaço de diálogo e intercâmbio.